O prof. Heitor, do curso de ADM UNISUAM, recomenda esta leitura:
"Para que não conhece Mike Davis é economista e um intelectual
instigante, o livro Planta Favela percorre habitações sub-normais em todos os
continentes, inclusive a foto da capa é na Rocinha, aliás acho que aquela foto
merecia um prêmio.
Nesta matéria ele analisa a ocupação de Wall Street e faz análises
políticas sobre a importância e os rumos do movimento "
"Chega de chiclete: texto de Mike Davis sobre o movimento Occupy Wall Street"
Posted on 21/10/2011 by boitempoeditorial
Cena
de "They live" (John Carpenter/1988)
Mike Davis, historiador e economista, autor de Planeta Favela (Boitempo,
2006), Apologia dos bárbaros: ensaios sobre o império (Boitempo, 2008) e Cidade de Quartzo: escavando o futuro em Los Angeles
(Boitempo, 2009) nos enviou texto
exclusivo sobre o movimento Occupy Wall
Street (Ocupe Wall Street), que
segue abaixo em tradução de Rogério Bettoni. Ao fim do texto,
o original em inglês.
"Quem poderia prever que
o Occupy Wall Street e sua proliferação ao estilo de uma planta selvagem
aconteceriam em cidades grandes e pequenas? John Carpenter previu. Há quase 25
anos (1988), o mestre do terror (Halloween, A coisa) escreveu
e dirigiu They Live [“Eles vivem”, no Brasil], retratando a Era Reagan
como uma catastrófica invasão alienígena. O filme continua sendo seu tour
de force. Aliás, quem poderia esquecer das primeiras cenas brilhantes em
que uma grande periferia terceiro-mundista é mostrada ao longo de uma autoestrada
e refletida pelos arranha-céus espelhados de Bunker Hill, em Los Angeles? Ou da
maneira como Carpenter retrata banqueiros milionários e ricos midiocratas
dominando a pulverizada classe trabalhadora dos Estados Unidos, que vive em
barracas numa encosta cheia de entulhos e implora por trabalhos casuais?
Partindo dessa igualdade negativa entre falta de moradia e
desesperança, e graças aos óculos escuros mágicos encontrados pelo enigmático
“Nada” (interpretado por Kurt Russell), o proletariado finalmente alcança a
unidade inter-racial, não se deixa enganar pelas fraudes subliminares do
capitalismo e fica furioso, extremamente furioso. Sim, eu sei, estou adiantando
as coisas. O movimento “Occupy the World” ainda procura seus óculos mágicos
(programa, demandas, estratégia e assim por diante), e sua fúria permanece
baixa, em estado gandhiano.
Mas, como previu Carpenter, arrancar um número suficiente
de cidadãos norte-americanos de suas casas e/ou carreiras (ou pelo menos
atormentar dezenas de milhões com essa possibilidade) para promover algo novo e
de grandes proporções é um movimento lento e cambaleante em direção ao Goldman
Sachs. E, ao contrário do “Partido do Chá” [Tea party], até agora não há fios
de marionete. Um dos fatos mais importantes sobre a revolta atual é
simplesmente que ela ocupou as ruas e criou uma identificação espiritual com os
desabrigados.
Para ser bem franco, a minha geração, educada no movimento
dos direitos civis, teria pensado em primeiro ocupar os prédios e esperar que a
polícia colocasse todos porta afora na base de cacetadas. (Hoje, os policiais
preferem spray de pimenta e “técnicas não letais”.) Em 1965, quando eu tinha
dezoito anos e participava da equipe nacional dos Estudantes para uma Sociedade
Democrática, planejei uma ocupação do Chase Manhattan Bank, “parceiro do
apartheid” por conta de seu papel central no financiamento da África do Sul
depois do massacre de manifestantes pacíficos. Foi o primeiro protesto em Wall
Street em uma geração, e 41 pessoas foram arrastadas de lá pela polícia.
Ainda acho que tomar o comando dos arranha-céus é uma ideia
esplêndida, mas para um estágio mais avançado da luta. Até o momento, a
genialidade do Occupy Wall Street é o fato de ter liberado alguns dos imóveis
mais caros do mundo e transformado uma praça privada em um espaço público
magnético e catalisador de protestos.
Nossa ocupação há 46 anos foi uma incursão de
guerrilheiros; a de agora é uma Wall Street sob o cerco dos liliputianos.
Também é o triunfo do princípio supostamente arcaico do cara a cara, da
organização dialógica. As mídias sociais são importantes, é claro, mas não
onipotentes. O sucesso da auto-organização dos ativistas – a cristalização da
vontade política a partir do livre debate – continua sendo melhor nos fóruns
urbanos da realidade. Dito de outra forma, a maior parte das nossas conversas
na internet equivale ao padre sendo ensinado a celebrar a missa; até mesmo
megasites como o MoveOn.com são voltados para um grupo que já sabe do que é
dito, ou pelo menos para seu provável grupo demográfico.
As ocupações também são para-raios, acima de tudo, para as
menosprezadas e alienadas tropas dos Democratas, mas, além disso, elas parecem
estar derrubando barreiras de geração, proporcionando as bases comuns, por
exemplo, para que os professores de meia-idade, ameaçados e que trabalham na
educação básica, troquem ideias com jovens graduados e empobrecidos.
De maneira ainda mais radical, os acampamentos tornaram-se
lugares simbólicos para reparar as divisões dentro da coalizão do New Deal impostas
nos anos do governo Nixon. Como observa Jon Wiener em seu impecável blog, www.TheNation.com, “operários e hippies –
juntos, finalmente”. Evidentemente. Quem não se comoveria quando o presidente da
AFL-CIO, Richard Trumka – que trouxe mineiros de carvão para Wall Street em
1989 durante uma greve cruel, mas bem-sucedida, contra a Pittston Coal Company
–, convocou homens e mulheres cheios de energia para “montar guarda” no Zucotti
Park, apesar do esperado ataque da polícia de Nova York? Ainda que velhos
radicais como eu sejam propensos a declarar como messias qualquer
recém-nascido, essa criança tem o sinal do arco-íris.
Acredito que estamos vivenciando o renascimento das
qualidades que definiram de modo tão marcante as pessoas comuns da geração de
meus pais (migrantes e grevistas da Crise de 1929): uma compaixão generosa e
espontânea, uma solidariedade baseada em uma ética perigosamente igualitária:
Pare e dê carona a uma família. Jamais fure uma greve trabalhista, mesmo se sua
família não puder pagar o aluguel. Compartilhe seu último cigarro com um
estranho. Roube leite quando não houver para seus filhos e dê metade para as
crianças do vizinho (isso foi o que minha própria mãe fez repetidas vezes em
1936). Ouça atentamente aos sagazes e serenos que perderam tudo, menos a
dignidade. Cultive a generosidade do “nós”. O que quero dizer, suponho, é que
me sinto extremamente impactado por aqueles que se juntaram para defender as
ocupações apesar de diferenças significativas de idade, classe social e raça.
E, da mesma maneira, adoro as crianças corajosas que estão prontas para encarar
o próximo inverno e passar frio nas ruas, bem como seus irmãos e irmãs
desabrigados.
Mas voltemos à estratégia: qual o próximo elo na corrente
(no sentido de Lenin) que precisa ser apreendido? Até que ponto é imperativo
para as plantas selvagens formar uma convenção, assumir demandas programáticas
e, dessa forma, colocarem a si próprias no leilão das eleições de 2012? Obama e
os Democratas certamente, e talvez desesperadamente, precisarão de energia e
autenticidade. Mas é improvável que os “ocupacionistas” se coloquem à venda, ou
seu extraordinário processo de auto-organização. Pessoalmente, tendo para uma
posição anarquista e seus imperativos óbvios.
Primeiro, exponham a dor de 99%, levem Wall Street a
julgamento. Tragam Harrisburg, Laredo, Riverside, Camden, Flint, Gallup e Hooly
Springs para o centro financeiro de Nova York. Confrontem os predadores com
suas vítimas. Um tribunal nacional sobre o genocídio econômico.
Segundo, continuem a democratizar e ocupar produtivamente o
espaço público (isto é, reivindicar os bens comuns). O veterano historiador e
ativista Mark Naison, do Bronx, propôs um plano arrojado para transformar os espaços
degradados e abandonados de Nova York em recursos de sobrevivência (jardins,
áreas de acampamento, playgrounds) para desabrigados e desempregados. Os
manifestantes do Occupy em todo o país agora sabem como é ser desabrigado e não
poder dormir em parques ou numa barraca. Mais uma razão para arrebentar as
amarras e escalar os muros que separam o espaço não usado das necessidades
humanas urgentes.
Terceiro, fiquem atentos à verdadeira recompensa. A grande
questão não é subir os impostos dos ricos ou realizar uma melhor regulamentação
dos bancos. Trata-se de uma democracia econômica – o direito das pessoas comuns
de tomar macrodecisões sobre investimento social, taxas de juros, fluxo de
capital, criação de empregos, aquecimento global e afins. Se o debate não for
sobre o poder econômico, ele é irrelevante.
Quarto, o movimento deve sobreviver ao inverno para
combater o poder na próxima primavera. As ruas são frias em janeiro. Bloomberg
e todos os outros prefeitos e autoridades locais estão contando com um inverno
rigoroso para acabar com os protestos. Por isso é muito importante reforçar as
ocupações durante as férias de Natal. Vistam seus casacos.
Por fim, precisamos nos acalmar – o itinerário do protesto
atual é totalmente imprevisível. Mas se alguém erguer um para-raios, não
podemos nos surpreender caso caia um relâmpago.
Banqueiros entrevistados recentemente no The New York Times parecem considerar os protestos do Occupy pouco mais que
um incômodo baseado, segundo eles, numa compreensão rudimentar do setor
financeiro. Eles deveriam ser mais humildes. Na verdade, deveriam tremer diante
da imagem da carreta de munições. Quatro milhões e meio de empregos na
área industrial foram perdidos nos Estados Unidos desde 2000, e uma geração
inteira de recém-graduados encara agora a mais alta mobilidade descendente na
história do país. Desde 1987, afro-americanos perderam mais da metade de seu
patrimônio líquido; os latinos, inacreditáveis dois terços. Arruinar com o
sonho americano e com as pessoas comuns será extremamente prejudicial para
vocês. Ou, como Nada explica aos agressores imprudentes no excelente filme de
Carpenter: “Vim aqui para mascar chiclete e quebrar tudo… e meus chicletes
acabaram.”
--
Heitor Ney Mathias da Silva
Professor
da Fac. de Administração da UNISUAM;
Doutorando em Planejamento Urbano e Regional (UFRJ-Brasil);
Pesquisador Laboratório Espaço e Tecnologia (IPPUR-UFRJ).
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